26 de agosto de 2017

Formigas

 As formigas saíam de todo canto, milhões. Formigas. Apenas formigas. Trabalhadeiras, escravas de sua própria imensidão que era a pequenez. Marchavam como que para a guerra (mas, afinal, não era cada dia uma guerra a ser vencida?). Coloco entre parênteses porque elas não se deixam permitir que este tipo de reflexão complexamente simples penetrem em suas mentes.
 O objetivo é simples: servir.
 Servir o mundo, diziam. Servir... (servir o que mesmo?). Ao longe, pareciam uma coisa só, um bicho colossal e imponente. Olhando-se mais de perto, podemos enxergar o burburinho dos minúsculos pedacinhos de vida, uma passando no caminho da outra fugazmente. Não se confundiam de jeito algum, cada uma desempenhava seu papel, seja sentinelas, operárias, enfermeiras ou rainha, que não podia ser corrompido pelos seus anseios. O objetivo é simples. Cantando em uma só voz, o rugido era ouvido a quilômetros de distância. Juntas, inseparáveis. A molécula superava o átomo, o conjunto superava o individual. Juntas eram mais fortes que qualquer predador metido a opressor. E trabalhavam. Dias após dias, noites após noites. Carregando algo maior que sua própria consciência, que enviava apelos e pedidos. O corpo não ouvia. Ele agia maquinalmente por um bem maior, a sobrevivência. O objetivo é simples.
  E, se num relâmpago de pensamento, a Formiga se perdia no desconcertante pensamento do além, carregada pelos devaneios de seu ser e não pelas necessidades do grupo, era morte na certa. Se não morria pela lei da seleção natural, morria pelas mãos das outras. Quando morremos, reduzimos a pó; mas e a Formiga? Que já era pó?
 Então tinha que fugir, afastar-se de suas queridas irmãs gêmeas. Apesar de idênticas, a Formiga não se reconhecia no meio delas. Isso a assustou como nada a assustara até o momento (não tinha consciência de que este era seu primeiro susto da vida). De repente, não fazia a menor idéia de quem era. Certamente era formiga. Mas era formiga? Formiga? E via aqueles bilhões de formigas marchando para todos os lados, espreitando-se nas entranhas do subsolo, arrepiando o chão com aquelas patas de alfinete, perfurando a terra suplicante, torturando o próprio corpo com toneladas de mundo nas costas. Servindo, servindo, servindo. O objetivo é simples. Elas eram formigas? Elas eram? O que? Formigas?
 Desesperada, saiu do formigueiro. Foi morta por um predador cuja identidade desconhece-se.

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